Entendendo o ChatGPT na educação: Um diálogo necessário
Em uma entrevista realizada pela Universidade de Cambridge, com dois pesquisadores renomados de sua faculdade de educação, foram debatidos desafios, oportunidades e potencialidades do uso do ChatGPT na educação. Na verdade, desde sua introdução ao público, o ChatGPT, da OpenAI, tem testemunhado um crescimento veloz e uma adoção generalizada.
No entanto, seu papel na educação continua sendo um tópico de controvérsia. Por isso, alguns enxergam no ChatGPT uma ferramenta para aprimorar a aprendizagem e aliviar a carga de trabalho dos educadores. Por outro lado, outros o percebem como uma ameaça, capaz de abrir brechas para práticas negativas, como o plágio.
Abaixo, estão algumas questões e respostas da entrevista realizada com os dois pesquisadores sobre o uso do ChatGPT na educação. Dr. Vaughan Connolly pesquisa sobre o papel da tecnologia na educação e a carga de trabalho dos professores. Dr. Steve Watson é co-coordenador do grupo de pesquisa ‘Conhecimento, Poder e Política’ em Cambridge. Além disso, ele usou a teoria dos sistemas sociais para explorar o significado e a comunicação do ChatGPT.
Vale lembrar que as questões e respostas foram reescritas em tradução livre, a fim de trazer uma linguagem acessível a todos. Esperamos que gostem!
Entrevista com especialistas sobre o uso do ChatGPT na educação
Por que o ChatGPT é relevante para os educadores?
Vaughan Connolly: O ChatGPT marca um ponto de inflexão no avanço da inteligência artificial. E os educadores não podem simplesmente ignorar sua presença sem incorrer em repercussões. Para os profissionais da educação, sua influência promete ser tão transformadora quanto a revolução trazida pelo Google em 1998. Isso requer um diálogo sério sobre os méritos, desafios e implicações para escolas e alunos. O futuro educacional será inegavelmente moldado por essa inovação, e os educadores precisam adotar uma abordagem significativa para evoluirmos.
Steve Watson: Eu caracterizaria o ChatGPT como uma tecnologia assistiva de poder inestimável. Quando se trata de criar texto, explorar ideias e experimentar conceitos, sua capacidade de transformação é notável. A história das inovações de comunicação deixa claro que a maioria almejou aprimorar a troca de significados e minimizar equívocos. A educação, de muitas maneiras, compartilha dessa mesma preocupação. Por isso, é hora de os educadores começarem a considerar quais são as possibilidades e limitações do ChatGPT nesse contexto.
Muito do debate na área educacional até o momento tem girado em torno da proibição ou adoção do ChatGPT. Qual é a sua posição?
Steve Watson: É imperativo avançarmos para além das abordagens extremas, sejam elas pessimistas ou excessivamente otimistas. O ChatGPT traz consigo tanto oportunidades inéditas quanto complexidades adicionais. Até o presente momento, ele frequentemente foi retratado predominantemente como uma ferramenta de geração de conteúdo. Contudo, essa pode ser, na verdade, sua função menos proeminente. O verdadeiro destaque está na sua capacidade de manipular a estrutura e a forma. A preocupação predominante está em torno da possibilidade de o ChatGPT criar ensaios ou trabalhos que passem por avaliações. Porém, isso convoca os educadores a se adaptarem e considerarem: “O que mais podemos realizar com essa tecnologia?”
Vaughan Connolly: Com seu crescimento acelerado, a discussão sobre a proibição está tornando-se cada vez mais irrelevante. As transformações tendem a ganhar velocidade à medida que esses sistemas se aprimoram por meio do treinamento. A questão crucial não diz respeito a se o ChatGPT deve ou não ser utilizado nas escolas, mas como podemos empregá-lo de forma segura, eficaz e apropriada. As escolas são responsáveis em assumir a liderança da inteligência artificial, sob o risco de deixar seus alunos em desvantagem. Sinto verdadeira preocupação quanto à urgência dessa questão na educação, o que deve estar refletida em nossas respostas.
Quais são as maneiras pelas quais o ChatGPT pode potencialmente mudar a forma como as pessoas ensinam e aprendem?
Steve Watson: Meu desafio durante minha jornada escolar era ter todas as ideias sobre o que eu queria expressar. Contudo, nem sempre eu consegui comunicá-las de maneira adequada. Essa tecnologia tem a capacidade de auxiliar os estudantes a apresentar suas ideias de maneira organizada e clara. Bem como, em formato apropriado, permitindo que os professores se concentrem no próprio conteúdo das ideias. Com isso, há a possibilidade de direcionar o enfoque educacional para o pensamento crítico e para questões fundamentais. Além disso, dada sua capacidade de resumir argumentos, conhecimentos e conceitos, há um potencial real para auxiliar na avaliação formativa. Em especial, isso pode ser mais acentuado em situações nas quais os professores têm limitações de tempo.
Vaughan Connolly: Utilizei o ChatGPT em uma aula de Ciência da Computação do ensino médio. O objetivo foi incentivar os alunos a verificar a veracidade de afirmações, buscar informações adicionais e questionar dados. A troca de ideias foi verdadeiramente esclarecedora. Também testei o ChatGPT como ferramenta para tarefas de casa e revisões, atuando como estudantes de disciplinas e segmentos diferentes. Simulando ser um aluno de História, produzi uma conversa rica sobre a epidemia de cólera no século XIX.
Desse modo, é possível vislumbrar situações nas quais esse recurso poderia ser de grande ajuda para os alunos em revisões. Além disso, na verificação de respostas de tarefas ou no aprimoramento de ensaios. Ademais, observei que pós-graduandos, com o inglês como segunda língua, foram capazes de descrever com mais precisão suas ideias. Eles forneciam um parágrafo e solicitavam a reescritura em um estilo acadêmico. Os resultados foram notáveis, e esse processo aliviou o fardo cognitivo da tradução para esses estudantes. Isso permitiu que eles se concentrassem no conteúdo, em detrimento dos aspectos técnicos da escrita em um idioma menos familiar.
Existem maneiras pelas quais devemos restringir o uso do ChatGPT na educação?
Steve Watson: Sem dúvida, surge a necessidade de abordar a questão da regulamentação, respeitando a responsabilidade das universidades e escolas em preservar a integridade acadêmica e educacional. Daí a razão pela qual algumas instituições de ensino adotaram a perspectiva de que, se os alunos recorrerem ao ChatGPT para gerar conteúdo, isso constitui uma conduta inadequada. O desafio reside em encontrar o equilíbrio entre a preservação da integridade e a sensibilidade à evolução natural promovida pela adoção em larga escala dessa tecnologia. Sendo assim, caso exageremos na regulamentação do ChatGPT, a diferença entre a realidade em ação e a posição institucional tende a se alargar e, consequentemente, a relevância dessa última pode ser questionada.
Vaughan Connolly: Em vez de restringir o ChatGPT na educação, o Estado pode agir para regular os provedores desses serviços. Em virtude de minimizar o potencial de uso indevido e os riscos à sociedade em geral. A possibilidade de implementar esse controle encontra eco na legislação, por exemplo, na Lei Geral de Proteção de Dados [Brasil]. A atualização das habilidades digitais já está incorporada ao currículo escolar [da Inglaterra]. Isso suscita a necessidade de se considerar como as escolas podem instruir os alunos a utilizarem o ChatGPT. Neste sentido, tornando-os usuários críticos, com segurança e eficácia dessa tecnologia, não desconsiderando esforços que direcionados à segurança online.
A educação está preparada para lidar com a IA?
Vaughan Connolly: É inegável que as escolas não podem aguardar orientações governamentais para abordar essa questão. Surge a necessidade de um modelo de liderança distribuída, capacitando a equipe a se reunir e discutir a utilização do ChatGPT na educação. Nesse contexto, os líderes escolares precisam criar espaços e oportunidades para fomentar essa discussão. Além disso, é de suma importância reconhecer que os alunos já possuem uma compreensão mais refinada da tecnologia.
Conversei com líderes educacionais que expressaram preocupações quanto à necessidade de evitar a adoção do ChatGPT como um atalho em seu percurso educacional, temendo que isso deteriore o seu processo de aprendizagem. A inclusão dos alunos no diálogo é fundamental, neste sentido, uma decisão colaborativa com os alunos.
Steve Watson: A abordagem tradicional de regulamentar qualquer possível ameaça à operação das instituições educacionais mostra-se ineficaz nesse caso. Por isso, é necessário promover a colaboração entre os gestores e os profissionais da educação para estabelecer parâmetros de utilização apropriados. Afinal, o ChatGPT está evidenciando que nem sempre é viável controlar, prever e quantificar os riscos na educação através de abordagens hierárquicas. Em decorrência disso, é imperativo que flexibilizemos as estruturas de tomada de decisão tradicionais para que diferentes partes do sistema educacional possam explorar e otimizar o seu emprego. Isso, naturalmente, deve ocorrer em constante diálogo com líderes e gestores.
À medida que exploramos as nuances do ChatGPT na educação, torna-se evidente que sua presença é um catalisador de transformações significativas no cenário educacional. O diálogo entre suas oportunidades e desafios é fundamental para moldar sua integração de maneira responsável e produtiva. Educadores, líderes e alunos estão no centro desse processo, desempenhando um papel crucial na definição de como essa tecnologia pode aprimorar a experiência educacional. Por fim, a busca por um equilíbrio entre inovação e ética é o desafio que nos convoca a pensar de forma profunda e colaborativa, assegurando que o ChatGPT na educação seja uma ferramenta que impulsiona o desenvolvimento intelectual e humano.